Brasil: Aonde vai o PSOL? Uma alternativa independente, radical e anticapitalista ou uma reedição do SYRIZA na América Latina?

Por Miguel Mendez – Chicago, IL (EUA)

O PSOL é um partido de esquerda brasileiro fundado em 2004, depois que quatro parlamentares foram expulsos do PT (Partido dos Trabalhadores), por votarem contra uma “reforma” previdenciária (um ataque às pensões) colocada pelo presidente Lula (do PT). então em seu primeiro mandato. Foi uma das primeiras e uma das maiores novas formações de esquerda que surgiu no período passado.

O PSOL opôs-se a muitas das políticas do governo Lula, que eram muito semelhantes às políticas neoliberais implementadas pelos governos burgueses tradicionais. O PSOL também se opôs às alianças do PT com políticos e partidos de direita. O nome PSOL significa “Partido pelo Socialismo e Liberdade”.

Desde a sua fundação, o PSOL vem atraindo um grande número de ativistas, da classe trabalhadora e de diversos movimentos sociais, com o perfil de ter uma agenda anticapitalista independente. Várias organizações revolucionárias atuam dentro do PSOL (algumas desde a sua fundação) e este partido é a principal organização da esquerda fora do PT no Brasil, que deve agora ser descrito como um partido de centro-esquerda nos moldes dos partidos social-democratas tradicionais europeus.

Apoio total e participação do PSOL no governo Lula

Contudo, o perfil independente do PSOL vem mudando nos últimos anos.

Nas eleições de 2022, o PSOL decidiu não lançar candidato à Presidência da República (pela primeira vez em sua história) e apoiar Lula desde o primeiro turno, apesar do PT ter construído uma coalizão ainda mais ampla do que em seus governos anteriores, incluindo facções dominantes do Classe dominante brasileira e do imperialismo.

Isso envolveu um debate acirrado dentro da organização (que o ISp abordou pelo menos em parte, e você pode ler aqui[1]). Mas essa discussão residia no terreno tático. No final, o PSOL defendeu o voto em Lula (contra o então Presidente de extrema direita, Bolsonaro) desde o primeiro turno.

No entanto, o PSOL decidiu também aderir à Frente oficial de apoio a Lula, que incluía vários e importantes partidos burgueses e de direita, e isso não foi teve o acordo do Bloco de esquerda dentro do partido.

Após as eleições[2], ficou muito claro que Lula faria um governo ainda mais conciliador do que os quatro governos anteriores do PT (2003-2016). E que a extrema direita, expressa principalmente no apoio ao derrotado Bolsonaro (também chamado de Bolsonarismo), permaneceria viva no cenário político. Isto tornou-se particularmente claro nos eventos de 8 de janeiro de 2023[3], quando ocorreu uma versão brasileira do ataque dos apoiadores de Trump ao Capitólio nos EUA.

Logo após o resultado eleitoral, e antes mesmo da posse do governo, o debate que ocorreu dentro do PSOL foi de como um partido de esquerda deveria enfrentar um governo de coalizão de classes e a estratégia para derrotar efetivamente a extrema direita. Infelizmente, o PSOL decidiu responder a essas questões de uma forma que já vimos muitas vezes na história e nunca terminou bem.

Em dezembro de 2022, o PSOL decidiu permitir que seus membros assumissem cargos no governo Lula e participassem da Bancada Governista parlamentar oficial (no qual o PSOL, hoje tem o Vice-Líder). Membros do PSOL ocupam cargos importantes em diversos ministérios, alguns deles liderados por ministros burgueses. Essas decisões foram tomadas por uma pequena margem de votos no Diretório Nacional do Partido. Além disso, o próprio PSOL tem uma ministra no Governo, Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas.

A resolução oficial do PSOL diz que o Partido não tem participação oficial no governo, que S. Guajajara está lá simplesmente em posição individual. Mas a sua participação no partido nunca foi suspensa – e o partido concordou que ela assumisse o ministério. Só para deixar as coisas absolutamente claras, em uma entrevista, ao ser questionada se havia contradição em ser Ministra de um governo que o PSOL não participa, S. Guajajara respondeu:

Não há contradição. Sou do PSOL e sou ministra… então o PSOL obviamente faz parte desse governo”.

Recentemente, o PSOL votou no Congresso a favor de uma Reforma Tributária, amplamente elogiada pelos mercados financeiros internacionais.

Trata-se de uma reforma neoliberal, que os governos anteriores vêm tentando implementar há décadas e que foi amplamente celebrada pela mídia empresarial brasileira e internacional. Uma deputada do PSOL, Taliria Petrone, declarou que

Depois de 40 anos de tentativas, o governo Lula finalmente aprovou aquela reforma histórica”.

Além dos três representantes da esquerda do PSOL, os representantes da maioria dos outros partidos no Congresso votaram a favor da medida neoliberal.

Eleições locais de 2024: São Paulo

Em 2024, eleições locais ocorrerão em todos os estados brasileiros (exceto na capital do país, Brasília). Estas eleições são um marco político importante, que marca o meio do mandato da Presidência e prepara o cenário político para o próximo ano.

Em vez de se apresentar com perfil independente e radical nestas eleições, unificando a esquerda e as lutas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais sob uma agenda antineoliberal e anticapitalista, o PSOL decidiu replicar a fórmula de coalizão de classes que levou Lula à presidência um ano atrás.

Em São Paulo, a maior cidade do país, o candidato do PSOL Guilherme Boulos lidera as pesquisas, apoiado abertamente por Lula. Boulos tem Martha Suplicy como candidata a vice-prefeita. Marta

foi uma figura do PT até o início de 2010, mas depois se tornou uma política de direita. Ela apoiou o Golpe Constitucional contra Dilma (presidente do governo do PT na época) em 2016 e votou a favor de seu impeachment como senadora. Até muito recentemente, Martha ocupava um cargo-chave (equivalente ao de uma ministra) na prefeitura local de São Paulo – isso até 9 de janeiro, menos de uma semana antes do anúncio da chapa. Ela agora se opõe ao mesmo prefeito para o qual ocupava um cargo de secretariado.

Além da própria coligação, o perfil da candidatura do PSOL segue os mesmos critérios. Boulos e a direção do PSOL contrataram um marqueteiro, identificado com campanhas de direita e antipopulares (sendo uma recente a da principal empresa de entrega contra a organização dos trabalhadores entregadores) para planejar e executar a sua campanha. Boulos tem adotado um perfil moderado em seus discursos, falando em consenso e movendo a campanha para o centro do espectro político.

Esse nível de comprometimento com os elementos tradicionais do establishment paulista impossibilitará que Boulos, no caso de vencer as eleições, implemente as políticas necessárias para mudar a vida do povo trabalhador, gerando decepção e abrindo caminho para a extrema-direita disputar a narrativa e o perfil anti-establishment na cidade.

Dois blocos dentro do PSOL

O PSOL realizou sua Conferência Nacional[4] em dezembro de 2023, e ali se consolidaram dois grandes blocos dentro do partido.

O Bloco majoritário, também denominado PTL, defende a participação do PSOL nos governos de coalizão de classe e estende essa estratégia às eleições municipais de 2024. Esse bloco tem membros no governo nacional e nos governos locais e agora controla a maior parte da estrutura partidária.

Há também um Bloco de Esquerda (chamado por esse nome) que defende um PSOL independente e anticapitalista. Apesar de ser minoria no partido, o Bloco de Esquerda tem presença importante nas estruturas partidárias e detém maioria em alguns estados. O Bloco de Esquerda foi impactado pela decisão de alguns grupos e membros individuais de deixar o PSOL quando iniciou a sua mudança para o centro. Essa iniciativa, até o momento, não foi capaz de construir nenhuma alternativa viável e enfraqueceu a importante luta dentro do PSOL contra sua maior capitulação ao governo e à estratégia de coalizão.

Houve também outro bloco, o Semente, que se afirma ser uma “terceira via”, mas que sempre vota junto com a maioria (incluindo votos decisivos, como os explicados acima) e faz parte oficialmente do PTL. Eles são agora, especialmente depois da última Conferência, parte da maioria do PSOL sendo também responsáveis pelos rumos que o partido está tomando.

A conciliação de classes NÃO derrota a extrema direita

Desde a década de 1930, com a ascensão da extrema-direita, particularmente do nazismo, na Europa antes da Segunda Guerra Mundial, tem havido um debate dentro da esquerda sobre como responder à ameaça da extrema-direita. Os Estalinistas e os Reformistas defenderam as frentes amplas e os governos de coligação de classe, com a burguesia “progressista” (e mesmo sectores dos Imperialistas) para, supostamente, isolar e derrotar os fascistas.

Trotsky, por seu lado, seguindo as tradições bolcheviques e leninistas da Frente Única, defendia o contrário. Explicou que a extrema direita germina com a desmoralização da classe trabalhadora e das massas populares por parte das organizações de esquerda e dos sindicatos, quando os veem como parte do establishment, e corresponsáveis pela situação de privação e crise que estão vivendo em.

Portanto, devemos estabelecer ações de frente única entre a classe trabalhadora e outras camadas oprimidas contra os fascistas, devemos estabelecer lutas unidas para defender os nossos direitos contra os ataques da extrema direita, mas não devemos fazer parte de frentes com a classe dominante, muito menos participar de um governo burguês. Tais governos, especialmente em tempos de crise enorme e global como a que vemos actualmente, não podem resolver os problemas da classe trabalhadora e dos oprimidos; e os líderes da esquerda e dos trabalhadores estão de mãos atadas pela sua aliança com a classe dominante, deixando as portas amplamente abertas à propaganda da extrema-direita.

Em 2024, o mundo enfrenta uma situação muito complexa, com uma disputa interimperialista que aumenta todos os meses, uma crise económica global que está longe de ser resolvida, uma catástrofe climática e o agravamento das condições sociais a nível global. A classe trabalhadora, as camadas oprimidas e populares estão a responder: há lutas, greves e revoltas em todo o mundo. Mas há também um perigo de extrema-direita em ascensão, com a sua agenda reaccionária de racismo, xenofobia, misoginia etc. Devemos aprender as lições da história, tanto da década de 1930 como de experiências recentes como a do SYRIZA na Grécia. A maioria do PSOL, infelizmente, parece seguir um caminho semelhante ao do SYRIZA.


[1] https://www.internationaliststandpoint.org/debates-on-p-sol-election-tactics-introduction/

[2] https://www.internationaliststandpoint.org/brazil-relief-at-bolsonaros-defeat-but-no-enthusiasm-for-lula/

[3] https://www.internationaliststandpoint.org/brazil-bolsonaros-abortive-coup-attempt-on-sunday-9th-january/

[4] https://www.internationaliststandpoint.org/brazil-psol-conference-strengthens-its-participation-in-the-national-government-and-a-class-coalition-strategy/

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